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terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Acontecimentos no ano de 1808-4ºparte

  • Levantamento de Bragança dirigido pelo general Manuel Jorge de Sepulveda
Eram 5h da tarde de 11 de Junho quando, em Bragança, Madureira Cirne, abade de Carrazedo, recebeu em casa uma carta dando conta da revolta no Porto, informação que passou aos presentes, o cónego da Sé Catedral, Bento José de Figueiredo Sarmento, o bacharel Pedro Álvares Gato, o médico António Afonso Dias Veneiros e outros; logo ali se formulou a intenção de agir, exclamando a abade Madureira Cirne “«é tempo de sacudirmos o jugo francês! Viva o Príncipe Regente»

. Entusiasmado, contacta o capitão Bernardo de Figueiredo Sarmento, do Regimento de Infantaria 24, o governador do bispado, Paulo Miguel Rodrigues de Morais, e o sargento-mor de milícias, Manuel Ferreira de Sá Sarmento. Todos manifestam vontade de um levantamento em armas na cidade contra os franceses, disponibilizando-se, de imediato, a agrupar soldados, milicianos e populares para o efeito, que são encaminhados para a frontaria da Igreja de São Vicente.

Impunha-se aliciar um oficial com o prestígio e a influência necessárias para organizar e comandar a «turba» que se ia juntando. E quem melhor que o jovem general Manuel Sepúlveda, de 73 anos e governador militar provincial?

Este, que se encontrava no interior da Igreja a assistir à tercena de Santo António, aceita o encargo, posiciona-se no cimo das escadas e lança o grito de emulação guerreira: proclamou a restauração dos direitos reinantes da Casa de Bragança, chamou às armas todos os transmontanos, enalteceu o fervor patriótico do povo, ordenou a reorganização de todas as forças militares regulares (Regimentos de Infantaria 24 e Cavalaria 12), Regimento de milícias e Brigada de ordenanças e solicitou um contributo financeiro e em géneros a todos os bragançanos

Mas a grande originalidade da revolta em Bragança prende-se com o facto de nessa mesma noite de 11 de Junho, as palavras do general Sepúlveda terem sido passadas a papel, num claro gesto de firmeza, com a afixação de um edital que referia: “«Devendo pelas circunstâncias ocorrentes dar as provi­dencias conducentes á segurança desta província, por se achar sem tropa alguma de linha: faço saber a todos os desertores simples que em nome do Príncipe regente, N. S e Soberano, lhes perdoo a dita deserção, se se juntarem por estes quinze dias á minha presença nesta cidade e á presença do governador de Chaves, naquella praça e no referido termo, para se alistarem nas tropas, que vou formar desde já com officiais, que sahirão da redução passada. Convido também e mando aos que deram baixa na dita redução, venham alistar-se na referida forma, com vencimento de pão e pret que dantes tinham, até superior resolução. Nas circunstâncias supraditas não é preciso mais palavras para entusiasmar os bons portugueses, tendo o exemplo nos vizinhos hespanhoes. Dado no Quartel General de Bragança aos 11 de Junho de 1808. Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda»

Fonte > Revista Militar artigo do
Tenente-Coronel Abílio Pires Lousada.

  • Notícia publicada na Gazeta de Lisboa sobre a procissão do Corpo de Deus em Lisboa

Em Lisboa, a Procissão do Corpo de Deus é talvez mais magnífica que em alguma outra parte da Cristandade. Assistem a ela, todos os anos, a Corte, o Clero da capital, os Cavaleiros das Ordens Militares do Reino, os Corpos Monásticos e as Irmandades do Santíssimo [Sacramento] das diferentes freguesias desta cidade.

A Procissão decorre na bela Praça do Rossio, as duas magníficas ruas que lhe ficam vizinhas, a Augusta e a Áurea, e a dos Capelistas: todas as casas e janelas deste circuito estão nesse dia armadas de damasco encarnado, de sorte que parecem estar convertidas num vasto Templo, com galerias cheias de espectadores, à roda do qual circula mui religiosamente a mais extensa das procissões.


O Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Duque de Abrantes, desejando ardentemente prestar uma nova homenagem à Religião, quis que a dita Procissão, que neste país é uma festividade nacional, se celebrasse este ano da mesma forma e com o mesmo aparato que nos anos anteriores; mas como fosse sangrado no dia precedente, por causa de uma indisposição que lhe sobreviera, devia, em vez de acompanhar a Procissão, assistir a ela da varanda do Palácio da Intendência Geral da Polícia, situado na Praça do Rossio, diante do qual passava a Procissão; portanto, a dita varanda se achava disposta adequadamente para esse fim por ordem do Senhor Conselheiro do Governo, Intendente Geral da Polícia do Reino.

Sua Excelência passou ao Palácio da Intendência Geral pelas nove horas da manhã; e foi ali recebido pelas principais autoridades militares e civis, assim francesas como portuguesas.

A Procissão começou a sair, pelas dez horas, da Igreja de S. Domingos, contínua à Praça do Rossio; e já a frente dela entrava na Rua Augusta, por entre duas alas de tropas.

Por toda a parte se via estabelecida a melhor ordem; e reinava esta entre o estranho concurso dos habitantes, senão quando um terror pânico se apodera da parte do povo que ocupava o meio da Rua Augusta: o medo vai lavrando, e a multidão se abala até à Praça do Rossio, como se estivesse ameaçada de algum grande perigo; falavam uns em movimento de artilharia, por se costumar pôr todos os anos naquela Praça algumas peças, para saudar o Santíssimo Sacramento; e outros imaginavam que havia um tremor de terra; cada um se figura uma causa grave para uma fugida inesperada, e ninguém sabia ainda que só se tratava de um ladrão que acabava de ser preso na Rua Augusta pela Guarda Militar, e que para fugir favorecido pela confusão, gritara que lhe acudissem, ao escapar-se.

Assim que o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Duque de Abrantes advertiu, do alto da varanda, nesta agitação, que podia tornar-se perigosa em meio de uma tal multidão, deu as suas ordens e desceu pessoalmente à Praça, ao princípio só, mas em breve se viu seguido dos membros das autoridades militares e civis. A sua presença e a sua voz detém, como por uma espécie de prestígio, aquela multidão que por todos os lados se precipitava: “De que tendes medo? grita ele. Não estou eu em meio de vós? Que podeis recear onde eu estou? Sem dúvida há aqui engano, ou insinuação de alguns dos nossos inimigos comuns. Olhai para as minhas tropas que estão à roda de vós! Sede como elas, tranquilos e imóveis!”.

Imediatamente torna a si todo o povo, ficando cada indivíduo no seu lugar, sem que houvesse (o que custará a crer, não obstante ser um facto sabido de toda a capital) outro acidente senão o estarem por terra cinco ou seis pessoas, mas sem dano algum, e uma tão somente ferida, ao cair. Nem um só soldado saiu da sua fileira ou fez uso da sua arma, ainda que alguns tivessem de cair ao chão; todos porém num instante tornaram a ficar na sua posição.

Sua Excelência o General em Chefe passa logo à Igreja, onde se achava ainda a maior parte da Procissão; ali se vê rodeado de uma multidão imensa, que ignorava o que fora dela tinha acontecido, e que deitada aos seus pés lhe dizia em alta vós: Senhor, livre-nos deste perigo! Declara logo Sua Excelência que a sua intenção é que a Procissão prossiga imediatamente; e que para desenganar as pessoas que pudessem crer que havia o menor perigo, ia em pessoa acompanha-la.

Em menos de dez minutos se torna a formar a Procissão com a mais perfeita tranquilidade e o mais piedoso recolhimento; e faz-se com a mesma solenidade que se observara nos anos em que mais brilhante fora.

O Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Duque de Abrantes, sem embargo de estar doente, e apesar do ardor do Sol à hora do meio-dia, não quis aceitar um pálio (dais) que se lhe oferecera; ia só, a pé, descoberto, precedido dos seus Ajudantes de Campo, e seguido das diversas autoridades militares e civis.

Nunca houve ocasião em que Sua Excelência mais conciliasse a atenção do povo, e que visse da parte deste maior interesse e maiores testemunhos de afeição. Parecia que todos o congratulavam daquela inspiração tão rápida e tão judiciosa, que lhe fizera opôr um remédio certo a uma desordem que, a não ser a sua presença e a confiança universal que ela excita, podia ter bem tristes consequências; davam todos mostras de agradecer-lhe o ter livrado do medo e quase de que soubessem do dito acidente as demais partes da cidade, que disso só ouviram falar depois de se ter acabado a Procissão no maior sossego, e sem que a malevolência pudesse já semear a mais leve inquietação pela pronta maneira com que ficara restabelecida a seguridade.

O resto da tarde e a noite do mesmo dia se dedicaram aos passeios de costume, em carruagem, pela Praça do Rossio e ruas vizinhas; por todas as partes ressoavam as expressões do mais vivo reconhecimento, correndo de boca em boca para com o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Duque de Abrantes, cuja admirável presença de ânimo, muitas vezes tão necessária no interior das cidades como nos campos de batalha, acabava de fazer a esta capital um tão importante serviço!

[Fonte: 1.º Suplemento à Gazeta de Lisboa, n.º 24, 17 de Junho].



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